Toxicodependência part-1
“É importante escutar quem está no terreno”
Alan Lane, da Comunidade Terapêutica Villa Ramadas, presente em Portugal nas imediações de Alcobaça, é alguém que já conta com mais de 20 anos de experiência no tratamento de toxicodependentes em vários países. A reportagem do PJ, em conversa com este cidadão inglês, procurou conhecer a sua visão da problemática da toxicodependência, sua evolução e futuro, tanto no nosso país como no Reino Unido.
Qual é o seu ponto de vista sobre a situação da toxicodependência em Portugal?
A situação será, certamente, melhor compreendida pelos portugueses. A minha percepção é que é um problema que está a aumentar rapidamente: o leque de drogas está a aumentar, a facilidade no acesso às mesmas também, a idade de iniciação no uso de drogas está a decrescer, a criminalidade e as doenças ligadas à toxicodependência estão a aumentar. Vejo que, em alguns países, a abordagem a este problema é no sentido da concentração de esforços na limitação de danos, o que, na realidade, não é lidar com o problema, é uma forma de tornear o problema.
Penso também que a legalização das drogas é uma forma perfeitamente inadequada de lidar com o problema. Entendo que é uma espécie de capitulação perante esta situação. Mas existem pessoas, como nós, que dizem “isto é o que fazemos, acreditamos na abstinência total”, pessoas que dizem aquilo em que acreditam, porque é a verdade, em vez de dizerem aquilo que as pessoas querem ouvir.
Criticou algumas abordagens correntes no âmbito da problemática da toxicodependência. Pensa que existe falta de coragem por parte do poder político relativamente a esta questão?
Penso que existe uma falta de coragem e de clarividência em muitas pessoas que estão numa situação em que poderiam mexer com o problema, e que estão a perder essa oportunidade. Penso que as pessoas estão provavelmente bem intencionadas, mas não tão bem informadas. É um problema de grandes dimensões, não se pode ocupar um cargo e saber tudo sobre este problema, que é muito complexo, com muitas variantes, e para o qual existem muitas abordagens diferentes.
Se existisse uma discussão mais ampla entre as diferentes abordagens à resolução deste problema, sob orientação governamental, esse seria de facto o caminho a seguir. Não acredito na posição “a nossa abordagem é melhor do que a vossa”. Acho que é um reflexo de imaturidade. Todos acreditamos naquilo que estamos a fazer, mas o melhor resultado final será a ajuda às pessoas que estão a sofrer, no sentido de as devolver a uma vida completamente normal.
Se a cooperação entre os diversos agentes pudesse ser bem coordenada, penso que haveriam menos recursos desperdiçados. Penso que se poderia avançar para uma situação em que existisse intercâmbio entre os centros de tratamento, de forma a que um terapeuta de um centro pudesse visitar outro centro para conhecer melhor uma outra abordagem, antes de ser automaticamente colocada de lado simplesmente por não ser a nossa. Acredito na cooperação, na partilha de informação.
Quando existe uma variedade de diferentes abordagens, tais como a terapia de substituição, distribuição gratuita de seringas, etc., estamos a dar à comunidade mensagens diferentes. Deve existir uma abordagem unificada.
Relativamente ao cannabis...
Ao cannabis e ao ecstasy. Está-se a passar a mensagem de que são drogas que não são perigosas. Acho extraordinário que exista um combate tão feroz no sentido de fazer com que as pessoas deixem de fumar, que em cada maço de cigarros existam avisos explícitos sobre os malefícios do tabaco e que, por outro lado, estejamos a ser permissivos em relação a substâncias que, bem o sabemos, são conhecidas por serem a porta de entrada no mundo da toxicodependência.
Como descreveria o modelo de tratamento seguido em Villa Ramadas?
O modelo de tratamento é baseado no conceito de “doença”. É o Modelo Minnesota. Foi a filosofia de tratamento dominante em Inglaterra durante muitos anos. É baseado no conceito de que estas pessoas sofrem de uma doença com três vertentes: mental, física e emocional. É por isso que a simples supressão das drogas não resolve o problema, porque ainda permanece a vertente emocional para tratar.
O grande problema com as drogas é que elas resultam. Ninguém vai usar uma droga e dizer “foi fantástico, não vou tornar a fazê-lo”. Faz com que as pessoas que têm dificuldades emocionais se sintam bem. Portanto, pode-se dizer que estas pessoas se viciam em sentirem-se bem. Não há nada de errado com o sentirem-se bem, o método é que está errado.