Tráfico na Faculdade

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16-06-2011
Raquel Lito, Sábado

REPORTAGEM. ESTRATÉGIAS, PREÇOS ECÓDIGOS ENTRE UNIVERSITÁRIOS QUE VENDEM DROGA

Os alunos que consomem dizem que é fácil comprar até nas salas de aula. Os dealers nem sempre são muito discretos e vendem cannabis, MD, speeds, heroína e cocaína. As direcções das universidades garantem que nunca deram por nada. Por Raquel Lito

O telemóvel não parava de apitar. O chat do Messenger disparava com mensagens. O Skype estava sempre ligado. A qualquer momento tinha de estar contactável. Rodrigo, 22 anos, aluno universitário, sempre impecavelmente vestido de camisa aos quadrados e calças de marca, aguardava um pedido de encomenda. Algo ilícito que fazia circular pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde está matriculado há vários anos.

Com descontracção, Rodrigo aprendeu a dominar as técnicas subtis para traficar drogas leves e pesadas na sala de aula e nos cafés da faculdade. Os colegas desconfiavam, mas não reprovavam. Até porque quatro a cinco deles, directa ou indirectamente, mostravam interesse na compra. Para corresponder aos pedidos dos clientes, cumpria escrupulosamente uma agenda. De quarta a sexta-feira, vendia haxixe e cocaína em pequenas quantidades (55 a 60 euros o grama, dependendo do fornecedor). Às segundas e terças abastecia-se nos dealers exteriores à faculdade, a preços mais baixos (35 a 40 euros).

Durante as aulas, transacção decorria perante os colegas, entre as meses, com o dinheiro a passar pelos livros. Discreto, Rodrigo sentava-se ao lado do comprador para facilitar a troca. “O professor não notava nada. Medo de temos sempre, mas à medida que fazemos isso muitas vezes, acabamos por ficar convencidos de que nada acontece e depois já nem se pensa muito nisso”, conta à SÁBADO.

Com tantos códigos e cumplicidades entre alunos, a maioria do tráfico universitário, cada vez mais elevado, passa despercebido. Não há registo em Portugal de uma rusga semelhante à que aconteceu a 7 de Dezembro passado, na Universidade da Columbia, Estados Unidos. As autoridades apreenderam €8.069,37 de droga, entre marijuana, cocaína e ecstasy. Em meados de Março passado foi a vez de uma equipa de repórteres do canal espanhol El Mundo TV revelar numa reportagem de 50 minutos o tráfico nas escolas, feito por alunos de 14 anos.

Rodrigo iniciou-se no negócio mais tarde. Nos tempos de liceu era um aluno com média de 16 valores, embora já fumasse haxixe de forma regular. Quando entrou na faculdade experimentou cocaína. Em Novembro de 2010 passou para o outro lado: o do pequeno tráfico para sustentar o seu consumo desenfreado de cocaína e haxixe, que o levava a gastar 1.000 a 1.200 euros por mês. “Além da minha mesada, estava sempre a inventar desculpas para pedir mais dinheiro aos meus pais.”

Pelo vício, tornou-se mentiroso, manipulador e passou a ter horários cada vez masis trocados, sobretudo entre quinta e domingo (dias de maior procura, devido às festas). No entanto, conseguia manter as aparências. No pico de consumo chegou a inalar cinco gramas de cocaína por dia. Algumas vezes dava três ou quatro riscos na casa de banho da faculdade e só ia às aulas se não tivesse demasiado alterado. Habitualmente disfarçava as mudanças de humor, sobretudo surtos de ansiedade de 20 minutos, com mais café.

Confrontado pela SÁBADO no início des¬te mês, o gabinete de comunicação da facul¬dade garante não ter conhecimento de situa¬ções idênticas às de Rodrigo: "Nunca foi iden¬tificado qualquer caso de tráfico de droga. A ter existido, estamos seguros de que se trata de um acto isolado." O mesmo órgão refere que o problema também nunca foi identifi¬cado pelo gabinete de apoio aos alunos: "Ire¬mos comunicar de imediato o assunto à Po¬licia Judiciária."

O director de uma outra faculdade da Uni¬versidade Nova, a de Ciências Socais e Hu¬manas, com 5.500 alunos e alguns casos de tráfico e consumo, também não tem conhe-cimento de actividades suspeitas. "Não há nenhum fenómeno registado nos relatórios diários da segurança. E numa instituição pú¬blica não há assuntos tabu", diz João Sá Água.

NO ENTANTO, o presidente da direcção da as¬sociação de estudantes, Marlon Francisco, com 21 anos, tem outra versão. Já houve ex¬cessos a decorrerem à meia-luz, durante as festas. Numa delas, na garagem, em Outu¬bro passado, João, de 22 anos, começou a en¬taramelar a fala, ficou acelerado e agressivo. Pelas 2h da manhã tentou aproximar-se de urna miúda do bar, mas quando foi barrado por Marlon, na altura a servir bebidas ao bal-cão, ficou descontrolado. "Notava-se que ele tinha tomado ácidos" conta Marlon. Peran¬te a resistência, João deu um salto, pegou na faca de cortar o limão e ameaçou-o. Marlon expulsou-o com a ajuda de um segurança.

Nunca mais foi visto.

Faculdade de letras Universidade de Lisboa

  • ONDE? Vende-se no corredor, na cafetaria, no WC e no estacionamento
  • OQUÊ? Canábis e cocaína

 

Universidade do Minho Braga

  • ONDE? A venda é combinada na sala de aula ou no bar
  • O QUÊ' Trafica-se cocaína e ácidos

 

F. Ciências Sociais e Humanas Univ. Nova

  • ONDE? Venda e consumo, na esplanada
  • O QUÊ? Erva, bolota e ácidos

 

ISCTE Lisboa

  • ONDE?O tráfico é feito no pátio (há quatro ven¬dedores regula¬res)
  • O QUÊ? Vendem speeds, pólen, MD, bolota e cocaína

 

É a canábis que prevalece na faculdade, so¬bretudo na esplanada, onde é fumado com descontracção durante o dia. "No Verão, as pessoas levam um garrafão de cinco litros, fazem urna roda e enrolam urnas ganzas", conta Marlon. Também se vende bolota (5 a 10 euros) e erva (5 a 10 euros), de forma dis¬creta. "Compram fora e depois comercializam na faculdade." Outro aluno, de 24 anos, explica que o consumo é uma prática comum pelo "ambiente livre".

O espírito liberal entre traficantes e consu¬midores nota-se mais no jargão. Quando fi¬cam alterados, sob o efeito das drogas, dizem que estão com uma "pazada"ou "fritaram a pipoca". Ana Rita, 22 anos, tiní1a alguns tru¬ques para quebrar o efeito da cocaína no pe¬ríodo de aulas: água fria na cara e um charro para relaxar. A estudante de Design e Marke¬ting de Moda da Universidade do Minho, em Braga, magra e descontraída, embora pareça seis anos, mais velha, recorda-se da primeira droga pesada que consumiu no campus: áci¬dos. Tomou-os com água, no bar, ao fim da tarde, para a noitada que aí vinha.

Dos ácidos à cocaína foi um instante. Os consumos agravaram-se em Outubro passado, quando co¬meçou a namorar com um colega da mesma turma que consumia e traficava a preços elevados (vendia o grama de cocaína entre 50 a 70 euros). "No início da semana era um a dois gramas da minha parte. Ele dava-lhe com mais força a partir de quinta-feira e até domingo era sempre abrir, com quatro ou cinco gramas, dependendo das misturadas.”

Começou por lhe comprar drogas, mas quando já não tiní1a dinheiro, pedia-lhe que dispensasse alguns gramas. Vivia pendura¬da no namorado, porque em menos de 10 dias já tinha gasto a mesada de 500 euros.

Por sua vez, o namorado encontrava opor¬tunidades de neg6cio nas aulas, onde ven-dia pequenas quantidades. "Era um grama de coca, uma ou duas pastilhas, nada de mais." Já o vi combinar dentro da aula para fazer a entrega fora, poucas pessoas notaram", conta Ana Rita. Ele recebia SMS a toda a hora, com três letras ("C" para cocaína; "H" haxixe, ou "E" ecstasy) e vários dígitos (1/2/3 gra¬mas). Se havia conversa, era básica: "Cena para aqui" e "está aqui o guito". Só vendia a amigos e conhecidos, ou amigos dos conhecidos¬, previamente apresentados. A troca também acontecia nos bares da faculdade com um simples aperto de mão ou entre páginas de revistas.

No entanto, não tinha o monopólio do neg6cio. Alguns colegas mais velhos, de 20 e mui¬tos anos, repetentes, faziam o mesmo. Ainda que a maioria dos dealers viesse de fora. De um dia para o outro, Ana Rita afastou-se do namorada. "Formalmente ainda não acabei com ele, nem sabe onde estou, mas mais cedo ou mais tarde terei de lhe di¬zer alguma coisa. Só que agora ainda não que¬ro (e sou aconselhada nesse sentido)."

Apesar das insistentes tentativas da SÁBA¬DO para a faculdade de Ana Rita se pronunciar sobre assunto, até à hora de fecho desta edição não foram prestados esclarecimentos.

A Dependência de Ana Rita tornou-se obvia para os pais, que suspeitaram da sua magreza e do aspecto débil. Convenceram-na a fazer um programa de reabilitação, com um internamento de sete a oito meses, no centro Villa Ramadas, em Alcobaça. Iniciou a terapia a 2 de Março passado, quase um mês depois de Rodrigo dar entrada no mesmo local. Os pacientes com estas características têm vindo a aumentar. “ Nos últimos cinco anos temos notado um crescimento acentuado de consumidores universitários. Representam cerca de 85% dos pacientes acima dos 18 anos”, diz um dos responsáveis pela clínica, João Augusto.

Mas a maior parte não procura tratamento, porque nega a dependência. Considera que os consumos são recreativos e controláveis. Nestes casos o tráfico também se distingue do clássico em larga escala. “É feito entre amigos, não no sentido de lucros desmesurados”, explica Paula Andrade, responsável pela área de redução de danos do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). À frente da cocaína, só mesmo a canábis é considerada a droga mais popular, com 330 mil portugueses a reconhecerem que já experimentaram, pelo menos uma vez na vida, segundo o relatório World Drug Report de 2007. É fumada com tanta naturalidade nas faculdades como os cigarros. Isto porque a percepção generalizada é a de que não faz mal. “Se calhar porque a representação social da canábis é positiva ou, pelo mesmos, inócua. Não tem o peso do ecstasy, nem é sentida como uma droga agressiva”, explica a mesma especialista.

LUÍS, DE 24 ANOS, ESTÁ sempre a elogiá-la. “Qual é o mal de vender quase um medicamento para as pessoas relaxarem e dormirem bem?” Descreva a produção como um especialista. “A erva indoor (estufa) é bem tratada. Basta ter uma divisão desinfectada com lixívia e lâmpadas. Não conheço nenhum amigo que ma venda e que não adore aquilo que está a fazer: ver a plantinha a crescer…”

Tem este discurso liberal, mas é extremamente cauteloso na venda. Não atende chamadas nas aulas, só nos intervalos; não responde a SMSs suspeitos; não procura clientes, espera que o façam; nem aceita fiados. Fala baixo, é discreto na postura e na roupa de estilo casual, a seguir as tendências, porque não quer ser confundido com um traficante. Apesar de o ser desde os 18 anos, quando entrou para o curso de Engenharia, da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, em Leiria.

Este repetente revê-se na protagonista da série americana Weeds (erva), uma dona de casa viúva que trafica com ar angelical. Luís tem a mesma expressão ingénua. “Vendo erva como quem vende pipocas, batatas ou azeite. Apenas quero fazer dinheiro para tomar café e consumir.” Cerca de 70% dos seus clientes são colegas dos mais variados cursos: Engenharia, Enfermagem, ou Informática. Ao todo, tem cerca de 30 a 40 consumidores regulares que lhe compram, em media, 100 gramas por semana.

As margens de lucro para Luís são acima dos 100%, já que compra a 3 euros o grama a alguns produtores nos arredores da cida¬de (Peniche, Aveiro, Coimbra, Porto) e ven¬de a 7. O que lhe permite ganhar mensal¬mente 600 euros. Recusa-se a traficar dra¬gas pesadas ("sou antibranca") ou a entrar em esquemas de grande escala ("ir parar a cadeia a Marrocos era o pior que me podia acontecer na vida"). Deixa esse mercado para alguns colegas da faculdade, cerca de 30 pe¬quenos traficantes. Vendem MD, heroína, cocaína, pólen e bolota. "Nunca houve lu¬tas territoriais. É óbvio que há conversas mas não se vêem transacções à descarada. É isso que separa os traficantes das pessoas normais."

TUDO ISTO PROVOCA estupefacção no direc¬tor da faculdade. "Nunca nos foi comunica¬da urna situação semelhante a descrita. Caso venha de facto a ser verificada e comprova¬da alguma situação desta índole, seremos di¬ligentes na acção", garante Luís Miguel Távora. Está disposto a reforçar os sistemas de videovigilância, das forças policiais e de apoio medico ou psicológico para os estudantes.

Apesar da segurança aparente, Luís recor¬reu a um psicólogo. "Vi-o pela primeira vez aos 15 anos, devido a problemas escolares e apatia. Hoje em dia, não tem ambições de fa¬zer qualquer coisa importante na vida. Isto resulta de ter começado a consumir aos 13 anos", explica o terapeuta Carlos Lopes Pi¬res, que não voltou a vê-lo.

Luís admite que "a máscara começa a pe¬sar", mas tenciona manter o negócio, mesmo quando terminar o curso. Porque e rentável, só na antevéspera da Ultima passagem de ano lucrou 3.500 euros com a venda de meio quilo de erva. Guarda o dinheiro no armário numa casa alugada, onde vive sozinho a pa¬gar uma renda mensal de 300 euros, para não levantar suspeitas no banco. Não se inquie¬ta na entrevista, nem mostra remorsos. "Acre¬dito que o que estou a fazer não é tráfico. Faço as coisas de maneira a não ser prejudicial a alguém. Não sou um bad boy, sou normal."

Jorge, caloiro de 19 anos da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, tinha tudo menos ar de bad boy. Passava despercebido a qualquer professor ou funcionário. Até ao dia em que pediu uma faca a um emprega¬do do café, que pensava que ele a ia usar para aparafusar algo. Na verdade, serviu para a transacção de haxixe, à vista de toda a gen¬te, à hora do almoço. Com um isqueiro aque¬ceu a barra de 20 centímetros de cumprimento e quatro de largura e cortou um pe¬daço. A cliente era uma aluna que tinha 0 dinheiro certo, porque momentos antes pe¬dira ao mesmo empregado para trocar urna nota de 20 euros por duas de 10. Pagou, re¬cebeu a droga e afastou-se.

O dealer voltou à mesa do bar, para conver¬sar com os colegas. Quando interpelado pelo empregado, que lhe chamou a atenção pelo tráfico, admitiu: "Agora é que tenho noção do que acabei de fazer." Prometeu não repetir.

No ano lectivo seguinte, 2006-2007, desistiu de estudar.

Desde uma celebre rusga nesta faculdade, em meados de 2005, que mereceu um vídeo satírico de 21 minutos feito par alguns alunos (Nocivo apresenta: Dra¬gas em Letras), passou a ha¬ver policiamento na facul¬dade. "Ternos cinco a sete seguranças e agentes da PSP a vigiar a zona. Há al¬guns problemas, mas à noite, a volta do edifício, ligados a prostituição. Sobre tráfico, oficialmente não temos informações", explica Ricardo Reis, secretário coordenador da Faculdade de Letras.

No entanto, a droga continua a circular nas imediações, depois das 23h e até as 6h da manha, através de uma intensa e estranha movimentação de carros em alguns parques de estacionamento mais escondidos e com fraca iluminação. À meia-noite, em Outubro passado, quan¬do saía dos ensaios da tuna, Jacinto, 25 anos, do curso de Tradução, foi abordado junto ao pavilhão novo por um homem de 30 anos, de blazer escuro e calças de ganga. "Boa noi¬te", começou por dizer. Depois pediu lume. Jacinto desconfiou que fosse assédio, por¬que no estacionamento há prostituição ho¬mossexual, diariamente, há cinco anos. "Não é nada disso", sossegou a homem e passou ao aliciamento. "Não dás em cenas? Não que¬res nada?" Jacinto recusou.

A escuridão facilita o neg6cio. Por isso, a direcção garante que no início de Novembro passado fez um pedido à Câmara de Lisboa para reparar a iluminação da rua, entretanto vandalizada.

PEDRO MIGUEL, 21 anos, não tinha tabus em relação à droga. Abastecia-se em qualquer zona da faculdade onde estuda, em Lisboa: à entrada, no corredor, na cafetaria, na casa de banho, etc. “Já comprei e vi duas pessoas a fazer o mesmo dentro da sala de aula." Agia com naturalidade, porque entrou em com as drogas aos 13 anos, quando ex-perimentou canábis por curiosidade. Aos 15, provou cogumelos mágicos (substancia alucinogénia), anfetaminas e cocaína. Aos 19, caloiro da faculdade, tornou-se dependente. "Procurava euforia, desinibição completa, prazer em todo o corpo."

Se queria privacidade para inalar cocaína (gastava 350 a 600 euros por mês/25 a35 eu¬ros o grama) ou anfetaminas (1.000 euros por mês/l0 euros o grama) ia para a casa de banho. À saída fazia um esforço para que não se notassem as pupilas dilatadas, o discurso incoerente e a agitação. Os professores não desconfiavam, embora soubessem que havia consumidores entre os alunos.

A assiduidade decrescia à medida que au¬mentava o consumo. Na fase mais critica, Pedro Miguel gastava cerca de 2.000 euros por mês. Os preços praticados na faculdade variavam consoante o estado dos consumido¬res. Se os dealers se apercebessem que eles estavam alterados, sobretudo em festas uni¬versitárias mas, e sem alternativas de compra, in¬flacionavam. Pedro Miguel também fez ne¬gocio para sustentar o vício. "Quando ia para essas festas levava alguma (pouca) quanti¬dade que revendia. Nessas noites vendia-a mais cara. As drogas mais comuns eram a canábis e a cocaína."

Afonso, 25 anos, nunca quis ajuda, porque considera que o seu consumo é recreativo. Ninguém suspeita que conhece os dealers mais influentes da faculdade com 8.000 alunos. Estuda Gestão no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), chamado por alguns alunos de Instituto do Tráfico e do Consumo.

No pátio junto ao “aquário” (antes sala de fumos, até ser convertido em pizaria neste ano lectivo) dispersam-se vários grupos. Há quem apelide este anfiteatro ao ar livre de Faixa de Ganza numa alusão à Faixa de Gaza palestiniana.

QUEM QUISER COMPRAR droga basta dirigir-se ao grupo certo. “ Uma pessoa está com pessoal e há essa transacção”, explica Afonso. Sérgio acrescenta: “Speeds, cocaína, tudo isso se arranja com facilidade.”

O dealer coloca a mochila à frente e vende a droga com margens de lucro: por exemplo, o pólen vende-se a cinco euros o grama; o MD varia entre os 30 e os 40 euros o grama; o speed a 20 euros; a bolota vai dos 45 euros até aos 60 por 9 a 10 gramas; a cocaína custa-lhe 40 euros o grama e é transaccionada a 50 ou 60 euros. “Porque os miúdos são patinhos, querem sentir-se grandes e há quem se aproveite”, conta Afonso.

Consumo e tráfico no ISCTE são novidades para o responsável da direcção, Luís Antero. “Não tinha conhecimento de tráfico. Se existir, vou pedir às autoridades para actuarem. Temos policiamento e seguranças por turnos até às 8h da noite.”

Afonso contrapõe. Diz que há cerca de quatro traficantes universitários regulares, por vezes a vender à consignação. O seu é veterano: sociável, amigo de todas as gerações de anos e trafica desde os 2, à base de redes de informação. Os seus maiores clientes, cinco a 10, pertencem aos primeiros anos e fazem compras todos os dias. Para os satisfazer, transporta pequenas doses de haxixe e pólen na mochila, ou num maço de tabaco vazio. Também arranja cocaína, ainda que a procura seja mais residual. A droga vem do Cacém, Mem Martins Massamá e Odivelas.

Afonso dirigiu-se a ele quando chegou à faculdade, recomendado por colegas. “Pessoal, vocês sabem de alguma coisa? Quem é que tem?2 Indicaram-lhe aquele dealer, que estava na Faixa da Ganza. Ao ver um potencial cliente, chamou Afonso para um canto, perguntou-lhe o que queria e o caloiro pediu-lhe 10 euros de bolota. O traficante passou-lhe a mochila para colocar o dinheiro numa bolsa e deu-lhe a droga. Durante dois anos criaram uma relação de confiança. Afonso só recorria a ele. De 15 em 15 dias. “Sabia que a partir dai a pessoa tinha disponibilidade para coisas diferentes, mas a minha base sempre foram os charutos [charros].”

Para não levantar suspeitas, Afonso reinventava códigos por SMS. “Preciso dos apontamentos porque vou ter exame.” “ Vou a uma festa e preciso de falar contigo.” O dealer respondia no mesmo tom:”Sim, maluco, a estas horas estou ISCTE.” Nas mensagens nunca falavam de quantidades.

Apesar dos cuidados na compra, por vezes não controlava os efeitos. Recorda-se de adormecer à secretária, ou de jogar no portátil, mandar papeis e enviar mensagens por telemóvel. Mais evidente foi numa aula de Economia, num auditório com 200 pessoas, em que ele e sete colegas estavam sob o efeito de pólen, bolota, chamon e erva. Riam, puxavam os cabelos aos colegas, trocavam murros, a ponto de o professor ameaçar pô-los na rua várias vezes. Só à quarta pararam.

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