Um mundo paralelo na loja da esquina
Andava agarrado à PlayStation, ao telemóvel, a uma rapariga. Ficava acordado até muito tarde, adormecia nas aulas. O meu pai tirou-me tudo. Foi tão de repente. A minha namorada ia de férias para os Açores, tentei explicar-lhe isso, mas ele não me entendeu. Isolei-me.
Sentia tanta raiva! De algum modo, abandono. Diziam-me que se ela gostasse mesmo de mim, esperaria. No final do Verão, ela voltou, ainda gostava de mim. Eu ainda gostava dela, mas achava que já não podia corresponder às expectativas. já não a podia fazer rir como antes. Estava deprimido, não sabia lidar com os outros.
Tinha perdido o 9º ano. Para mim, era difícil criar novas amizades, mas aproximei-me de um colega. Um dia, ele levou-me a uma smartshop que há lá na cidade. Tinha experimentado haxixe e álcool, mas isso não me desinibia por completo, havia sempre uma parte do meu consciente que não se deixava abafar. Experimentei drogas legais. Gostei. Ria-me, sentia-me mais criativo, o meu pensamento fluía.
Tinha 15 anos. Queria experimentar todas as drogas e, a partir daí, só comprar a melhor. Umas drogas davam-me para ficar eufórico, outras para ficar relaxado. Também me podia dar para alucinar, mas não muito. Tenho um amigo que teve uma trip bué esquisita. Ficou parado, muito pálido. Pensava que era um computador e que tinha de enviar tudo o que estávamos a dizer.
Dava-me pica ir contra as regras. A minha droga favorita era a Black Mamba, uma espécie de cannabis sintética, imprópria para consumo, vendido como incenso]. Quando dei por mim, estava a consumir dia e noite. Fumava logo de manhã, a caminho da escola. Não conseguia dormir sem consumir. Era uma ansiedade!
Os professores fingiam que não percebiam. Um ou outro aproximava-se de mim, dizia-me qualquer coisa. Eu dizia-lhes o que eles queriam ouvir e eles iam para a aula seguinte. Era fácil manipulá-los. A mulher da loja também não me queria vender, por eu não ter 18 anos, mas dei-lhe a volta.
Gastava uns 20 euros por dia naquilo. Ia buscá-los à minha poupança. Sempre fui poupado. Tinha muito dinheiro para a minha idade. Quando a minha mãe percebeu, meteu o meu dinheiro no banco. Não deixei ele comprar. Passei a ir à carteira dela, do meu pai, ela minha avó, ela minha irmã. Comecei a incentivar colegas a consumir. Como eram menores, precisavam de mim para ir à loja comprar. Isso durou pouco. Nessa altura, já se falava mal das smartshops. Eles voltaram para o álcool e para o haxixe e eu virei-me para o ouro que me tinham dado em bebé.
Achava que controlava tudo. Enganei-me até sentir efeitos secundários. Aí, pensei que não queria ser um agarrado o resto da minha vida, que queria construir algo de bom. A minha psicóloga disse-me que tenho propensão para obcecar, que posso desenvolver uma esquizofrenia.
Um dia, comprei Black Mamba e meti bué de pouco. Aquilo ia dando para matar a ansiedade. Chegou à noite, peguei no cachimbo e meti lá o saco todo. Nunca tinha fumado urna dose tão forte. Fumei e fiquei parado a olhar para qualquer coisa. Vi-me ao espelho. A minha córnea estava vermelha, a minha íris dilatada. Tive um surto psicótico marado. Não controlava os movimentos. A minha mão direita começou a bater na minha cara. Ouvia vozes. Ouvia um riso maléfico.
Tentei adormecer. Pensei numa pessoa que amo, que é a minha avó, até abafar aquilo. Não contei a ninguém. Queria proteger os meus consumos. Moderei-os.
Já sentia medo de ficar esquizofrénico, já andava com a paranóia que que toda a gente estava a olhar para mim. A minha mãe já não sabia o que fazer. Fingia que não se preocupava. E eu já dizia a mim mesmo que tinha de parar.
Deixei ele consumir três dias. Consumi haxixe, erva, mas isso não me preenchia. A minha vida já não fazia sentido sem aquilo. A minha mãe levou-me a uma sessão de reiki [uma prática espiritual criada pelo monge budista Mikao Usui com base na crença de que há uma energia vital universal]. Ela sempre gostou dessas coisas. A senhora disse-me que o meu corpo estava separado ela minha alma.
Eu parecia sei lá o quê. Estava muito chupado. Tenho 1,80 metros e pesava 50 quilos. Estava todo corcunda - ainda estou, mas vou melhorando desde que cheguei ao centro ele tratamento, há quatro meses e 11 dias. Agora, peso 70 quilos. Quando me meti nisto, não pensava que me podia acontecer uma coisa destas. Achava que o que viciava era a heroína e a cocaína. já por isso, nunca experimentei nada ele snifar.
Percebi que há pessoas que têm mais propensão para obcecar - eu tenho. O meu pai não acredita, acha que é uma questão de força ele vontade, mas não é só isso. Vou ter ele ter cuidado a viela toda. Agora, só quero melhorar. Só tenho 17 anos.
A partir de depoimento recolhido no centro de tratamento Villa Ramadas