Viciados em Sexo
Durante cerca de seis anos, o objectivo de Alexandra (nome fictício) era apenas um: "Satisfazer um desejo que não cessava." Este é um comportamento habitual em alguém que tem um transtorno obsessivo-compulsivo. Hoje, Alexandra consegue admiti-lo, mas foi um processo que "demorou bastante tempo".
Alexandra foi viciada em sexo, urna patologia que começa agora a ser reconhecida, mas que continua a ser alvo de muitos olhares indiscretos, razão pela qual os doentes preferem adoptar nomes fictícios que impeçam a identificação e estigmatização. Dia após dia, noite após noite, o objectivo estava sempre formatado no mesmo sentido. "Encontrar um par para aquela noite era fundamenta tal", conta. Os locais ideais para procurar eram discotecas e bares e o passo seguinte era "levá-los a casa, onde vivia sozinha". Numa altura em que "nem sabia o nome de muitos dos parceiros sexuais", Alexandra nunca quis "assentar ou procurar um parceiro fixo, pois iria diminuir a adrenalina". Queria "experiências cada vez mais fortes e intensas", conclui.
Procurou ajuda apenas quando percebeu que tinha chegado ao fim da linha. "Afastei-me do grupo de amigos, no emprego falava-se já do meu estilo de vida boémio e o vazio apossava-se de mim no fim de cada dia, pois por mais parceiros que tivesse, quando voltava a casa estava vazia" , relata com alguma dificuldade em falar do passado.
Recorreu à ajuda de um psicoterapeuta que iniciou um tratamento que mudou o rumo da sua vida. Hoje, com 36 anos, admite que continua a ter "impulsos sexuais diversos", mas "aprendeu a ter controlo sobre eles". Porém, não esquece a forma como viveu os últimos anos "nem as mazelas que ficam, como a culpa e o medo ser apontada".
No seu entender, "admitir o problema para uma mulher é muito mais difícil do que para o homem, pois socialmente ele é visto como um garanhão e a mulher acaba por ser conotada como fácil".
"A perda de controlo é o limite"
Eduardo da Silva é psicólogo e responsável clínico da Villa Ramadas, um centro internacional de tratamento para pessoas com adições
Focus -No que consiste um transtorno de hipersexualidade? Eduardo da Silva -Esta patologia passa pela identificação, num indivíduo, de pensamentos e comportamentos obsessivo-compulsivos relacionados com sexo, passando este a ser o elemento central definidor da sua personalidade. Para se considerar uma pessoa adicta ao sexo, esta passa por várias fases, acabando o resultado final por ser quase sempre igual, sendo uma questão de tempo até atingir o desespero e a angústia. Na fase final desta adição, a pessoa não consegue ter controlo sobre o seu comportamento sexual, tomando ingovernável a vida nas suas diferentes vertentes. Depois de ter falhado repetidamente todas as promessas que fez a si própria para parar e tendo uma preocupação constante com o sexo, levando a ritualizar o seu comportamento e os sentimentos de vergonha, culpa e repugnância, torna-se num sofrimento constante que não desaparece.
Focus -Qual o perfil da pessoa que pode desenvolver este distúrbio?
E.S.-Mais do que um perfil específico, acredito que há pessoas que nascem com uma predisposição para pensamentos e comportamentos obsessivo-compulsivos (factores internos) e, num determinado período da sua vida há acontecimentos, pessoas, situações (factores externos) que vão interagir com o indivíduo. Num dado momento há algo que os faz "disparar", avançando até àquilo que podemos classificar como uma dependência. É esta combinação de factores internos associados a factores externos, num movimento contínuo e dinâmico que é a vida, e que se encontram sempre num equilíbrio que a qualquer momento se pode perder, que, a meu ver, faz acelerar o processo interno de perda de controlo.
Focus -Esta obsessão impede o indivíduo de levar uma vida dita normal?
E.S. -Sem dúvida. Aquilo que permite identificar um problema concreto com uma determinada pessoa com este tipo de adição passa pela perda de controlo da sua vida sobre um determinado comportamento. A pessoa tenta parar esses comportamentos e está sempre a falhar. Esta incapacidade começa a acarretar problemas para a sua vida enquanto pessoa, ou seja, as consequências começam a ser visíveis, tais como dificuldades no trabalho, problemas financeiros, problemas com relações, por vezes problemas com as autoridades e perda de interesse em tudo o que não tenha uma componente sexual.
Focus -O problema afecta mulheres e homens indiferenciadamente?
E.S. -Os estudos existentes relatam mais situações envolvendo homens do que mulheres que procuram ajuda para este problema. No nosso caso, solicitando informações sobre o tratamento no nosso centro para este tipo de adição, sem qualquer dúvida que foram mais os homens, tanto portugueses colmo estrangeiros, que admitiram o problema e procuraram os nossos serviços. Acredito que há mais facilidade por parte dos homens em admitir a existência de um problema e em ultrapassar o medo de algum tipo de estigmatização do que as mulheres, mais por razões culturais.
Focus -Existem cada vez mais pessoas a procurar ajuda?
E.S. -Pessoas que tenham procurado os nossos serviços por problemas relacionados com adição ao sexo, tivemos pelo menos 10 casos de diferentes nacionalidades e de ambos os sexos. Existe uma grande dificuldade em assumir claramente a adição ao sexo. Há um certo medo e receio de uma estigmatização e não compreensão por parte da sociedade e mesmo da família, pelo facto de muitas vezes se confundir e associar esta adição a uma qualquer perversão. Assim, não é nada fácil para o próprio declarar e assumir que tem um problema e que necessita de ajuda para o ultrapassar, mas sem dúvida que as mentalidades, lentamente, estão a mudar.
Focus -Como pode o tratamento feito na Villa Ramadas ajudar os pacientes com este perfil?
E.S. -O trabalho que desenvolvemos consiste em tratar o ser humano de uma forma integrada e global, não a substância ou o comportamento que o/a conduzia até nós. Acreditamos que a face visível que a adição pode assumir é apenas a ponta do icebergue de um problema emocional muito mais profundo. Em todos os casos tratados em Villa Ramadas, são estabelecidos planos individualizados de tratamento tendo em conta as características individuais de cada paciente. No caso da dependência do sexo, o tempo de internamento é sensivelmente o mesmo das outras patologias, ou seja, de aproximadamente 24 semanas. A abordagem terapêutica que utilizamos é fundamentalmente psicológica e emocional. Utilizamos as correntes clássicas da psicologia (psicodinâmica, humanista, Gestalt e cognitivo-comportamental em harmonia com o Modelo Minnesota) através de grupos de terapia, terapias individuais, trabalhos escritos e de leitura, palestras e workshops. O que a nossa terapia possibilita é que ocorra um processo de introspecção que permite atingir um grau de autoconhecimento tão profundo que facilita o processar e lidar com as questões centrais da personalidade que não estavam resolvidas, libertando-se delas.
Os adictos ao sexo são indivíduos insatisfeitos por natureza, que utilizam o acto sexual como escape para aliviar e preencher essa insatisfação.
A dependência do sexo é considerada uma doença comportamental que é progressiva, mas pode ser interrompida por intermédio de psicoterapia. O comportamento compulsivo toma-se num padrão que acaba por ter implicações familiares, sociais e profissionais. A recuperação é muitas vezes atrasada pela dificuldade do indivíduo em admitir o problema e lidar com o sentimento de vergonha.
Mais do que uma desculpa para justificar um comportamento, esta é uma patologia que afecta seis por cento da população mundial e que se trata de um transtorno obsessivo-compulsivo. De acordo com o sexólogo Fernando Mesquita, a "hipersexualidade tem normalmente início no final da adolescência ou por volta dos 30 anos, sendo sempre de natureza crónica, com episódios mais acentuados".
"Ninguém compreende que alguém não seja capaz de controlar os seus desejos sexuais, mas esta é uma patologia e como tantas outras tem rostos que a ilustram." A afirmação é de Frederico (nome fictício) de 55 anos e viciado em sexo. Não tem relações sexuais há cinco anos depois de 10 em que a sua vida foi consumida por completo por essa necessidade. Depois do internamento no Centro Internacional de Tratamento Villa Ramadas, onde seguiu um programa terapêutico intenso durante quatro meses, "tudo mudou e a preocupação passou a ser em fazer coisas que distraiam desses pensamentos", conta.
Frederico chegou a ter relações sexuais pagas três ou quatro vezes por semana. "Era inconsolável, só pensei em sexo durante anos", admite.
COMO SE REVELA
- Os comportamentos e impulsos podem estar dirigidos para:
- Masturbação
- Pornografia
- Comportamentos sexuais com outros adultos com consentimento mútuo
- Cybersexo
- Phone-sex
- Mistos
Frederico perdeu o controlo após a morte do pai e aproveitou a herança do pai para investir na sua necessidade. "Os classificados dos jornais passaram a ser uma campanha, durante todo o dia pesquisava e analisava até à hora de sair do trabalho e ir ao seu encontro", recorda. Não havia mais nenhum pensamento e quando finalmente era consumado o desejo, o pensamento era sempre o mesmo: "Nunca mais volto a fazer isto." Contudo, voltava sempre mas em busca de pessoas diferentes. Nunca pensou em ter uma namorada. A relação afectiva não era importante, mas apenas a satisfação sexual, cujo "melhor caminho sem compromissos era recorrer à prostituição".
A decisão do tratamento só chegou quando a família percebeu e o pressionou nesse sentido. Mas o medo tomou-se constante: "Tenho medo do que pode vir a acontecer se vier a retomar a vida sexual", reflecte Frederico.
Falta de consenso clínico
A sexóloga Manuela Moura explicou à Focus que os autores se dividem na qualificação do vicio sexual, “um problema de conceptualização que possui implicações para um correcto diagnóstico, prognóstico e tratamento". Deste modo, se para alguns autores este comportamento se insere dentro do espectro das Perturbações Obsessivo-Compulsivas (compulsão sexual ou comportamento sexual compulsivo), para outros autores trata-se de uma Desordem do Controlo dos Impulsos (impulsividade sexual ou comportamento sexual impulsivo), ou ainda de uma Perturbação da Adição (adição sexual/dependente sexual).
A sexóloga explica que, segundo o autor Amparano, entende-se por dependência sexual o "padrão de comportamentos sexuais de intensidade e/ou frequência crescentes, de carácter persistente, mantidos apesar das consequências negativas daí re¬sultantes, quer para o próprio quer para os outros”.
A definição do conceito de depen¬dência sexual "assenta por um lado em critérios específicos derivados da dependência química (tolerância, de¬pendência e síndroma de abstinência) e, por outro lado, em critérios clínicos gerais associados às dependências: perda de controlo ou compulsividade, manutenção do comportamento ape¬sar das consequências negativas e problema é enterrado num preocupação obsessiva com a activi¬dade”, afirma a especialista.
Uma pessoa com dependência se¬xual apresenta uma perturbação do controlo dos impulsos com elevados níveis de ansiedade e desconforto até à execução do comportamento. Pro¬cura desesperadamente"controlar os seus comportamentos e confronta-se com a incapacidade de o conseguir". O sexo passa a ser uma prioridade e torna-se no principal organizador da vida destes indivíduos.
Manuela Moura realça que "podemos encontrar pessoas que apenas se envolvem em fantasias sexuais, com características obsessivas, outras que privilegiam a sedução, envolvendo-se em múltiplas relações, mas em outros casos a procura sexual pode passar por um comportamento obsessivo de ligações sexuais ocasionais com re¬curso (ou não) a sexo pago ou mesmo vendido" .
A sexóloga acha porém fundamen¬tal destacar que "o facto de se gostar muito de sexo e ser-se muito activo sexualmente, não significa por si ser dependente ou que tem um problema de hipersexualidade, porém se este desejo e actividade sexual impedem o estabelecimento de relações afecti¬vas a longo prazo, afectam o equilí¬brio psicológico, social e profissional, então provavelmente tratar-se-á de uma dependência”.
Na sua experiência enquanto sexó¬loga, Manuela Moura realça que to¬dos os casos que recebeu até hoje eram masculinos e "recorreram a um apoio técnico porque a companhei¬ra/mulher descobriu ou porque o seu próprio comportamento começava a colocar em risco outras áreas da sua vida, nomeadamente a profissional (falta de concentração e ansiedade constante), ou do ponto de vista se¬xual vivenciavam culpabilidade e an¬gústia, não lhes permitindo usufruir de uma vida a dois plena, com questões de desejo hipoactivo ou disfunção eréctil”, conta.