Vício das compras: quando se somam etiquetas para tapar o vazio

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31-12-2014
Jornal de Leiria

Obsessão: Em plena quadra festiva, época de saldos e de consumismo exacerbado, o JORNAL DE LEIRIA fala daqueles a quem o vício das compras tomou conta da vida

Tinha um bom emprego, um filho, vários armários a transbordar de roupa, mas o buraco que a corroía parecia não ter fundo. Nos últimos 20 anos, Gabriela tinha comprado todos os dias, o que podia e o que já não podia, precisasse ou não, para se sentir feliz. Mas a dada altura já nem todos os objectos que coleccionara eram suficientes para se manter. Tinha 49 anos, estava submersa numa grave depressão, e seu o corpo era um perfeito autómato que só reagia a toque de 28 comprimidos por dia. Foi internada.

A história de Gabriela (nome fictício) está longe de ser caso raro. Uma em cada dez pessoas tem personalidade adictiva, e uma dessas dependências é o vício das compras, explica Rita Morais, psicóloga clínica da Villa Ramadas, o centro de tratamento de Alcobaça que recebeu Gabriela e outros pacientes com o mesmo tipo de comportamento.

Gabriela disse ao JORNAL DE LEIRIA que tudo poderá ter começado com uma série de perdas com as quais não soube lidar: o falecimento do pai, aos 10 anos, depois a morte do avô, que a tinha educado, e mais tarde a da avó. A adolescência complicada do filho também não ajudou, admitiu ainda.

Durante duas décadas Gabriela não conseguia sair de casa sem fazer compras. “Chegava a comprar sapatos com número maior do que usava, só porque eram giros”, e “peças de vestuário repetidas”, com a justificação de que “ a roupa também se gasta”.

A mãe de Gabriela percebeu que algo não estava bem quando a filha mandou fazer quatro armários novos para poder enfiar neles todas as malas, sapatos e até dezenas de coleiras para o único animal de estimação que tinha em casa. Muitos destes artigos ainda tinham etiquetas.

Por pior que se sentisse, não foi Gabriela quem pediu ajuda. Foi o seu patrão. Foram precisos nove meses de internamento, dois dos quais só para se libertar dos comprimidos. Inicialmente, impedida de comprar pelo seu próprio pé, Gabriela pedia à mãe que lhe comprasse coisas, só para poder ter objectos novos nos dias da visita.

10 Os especialistas acreditam que 10% da população mundial e possivelmente 20% das mulheres são compradoras maníacas e compulsivas

Seguiu-se bastante terapia, que lhe deu ferramentas para lidar com as perdas e esse sentimento de vazio. Saiu do internamento há quatro anos, mas mantém reuniões periódica no centro de ajuda.

Os progressos foram notórios. Conseguiu vender muitos dos seus artigos, outros até os deu. E eram tantos os pertences, que Gabriela ainda hoje continua a “fornecer” as amigas que precisam de vestidos para cerimónias.

Rita Morais explica que o vício das compras, que os clínicos brasileiros também apelidam de oniomania, afecta quer homens quer mulheres, de todas as idades, estando, na maioria das vezes, associado a outras compulsões. A especialista recorda o caso de uma obsessiva-compulsiva com ritual de limpezas, que comprava roupa atrás de roupa porque entendia que, uma vez usada, e por mais que fosse lavada, já não ficava suficientemente limpa. A especialista fala de uma rapariga bulímica, cuja visão distorcida sobre a imagem impunha que comprasse roupa até se sentir favorecida.

Rita Morais relata também a história de um homem que transferiu a sua adicção pela bebida para o vício das compras. Esse ritual deixou-o endividado, com sentimento de culpa, ao limite de se ter tentado suicidar, aponta Rita Morais.

Uma doença com consequências nefastas
Fique atento aos sintomas


Ter o vício das compras é considerado uma doença de foro psicológico maníaco-compulsivo e atinge um número elevado de pessoas na sociedade de consumo. De acordo com o Expresso, os especialistas acreditam que 10% da população mundial, e possivelmente 20% das mulheres, são compradoras maníacas e compulsivas.
Entre as consequências deste vício, o semanário destaca: divórcios, carreira profissional ameaçada, dívidas, falência familiar, depressão e até suicídio. No entanto, salienta o Expresso, há sintomas comuns para perceber se alguém é um potencial viciado em compras. São eles: “sentir uma vontade urgente de ir ao supermercado ou ao shopping mesmo sem ter nada para comprar; fazer compras apenas para melhorar o estado depressivo ou mau humor; saber que já não há dinheiro disponível, mas mesmo assim ir comprar; sentir-se muito deprimido ou triste após ter comprado muitas coisas ao seu gosto; arrepender-se ou sentir-se muito culpado por ter comprado coisas que realmente não precisava”.

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