Alexitimia – Analfabetos emocionais

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15-04-2004
Clara Soares, Visão

Chamam-lhes insensíveis, “blocos de gelo”. Afinal, sofrem de um distúrbio que os impede de exprimir as emoções. E, explicam os médicos, viver assim não é fácil – nem para os outros nem para os próprios.

À primeira vista era uma pessoa como as outras. Uma família normal, estudos concluídos com sucesso, emprego certo como professora e carreira em normal progressão. Senhora da sua casa e dona de si, nem lhe faltava um relacionamento estável. Mas a partir dos 30 anos, Rosa deu-se conta de que algo não ia bem. Sobretudo quando iniciou funções de chefia, numa instituição educativa, na zona Centro do País. - Começaram as enxaquecas, as insónias e os acessos de pânico, um terrível medo de não conseguir responder às exigências no trabalho, a sensação de que não ia ser capaz. O fantasma do medo invadiu também a sua vida íntima, que parecia fugir-lhe por entre os dedos. De consulta em consulta, de farmácia em farmácia, não encontrava alívio na medicação para esse estranho mal-estar que a fazia sentir-se uma estranha dentro de si própria, “mesmo com as drogas da felicidade empacotada (antidepressivos)”.

Incapaz de sair da situação, acabou por refugiar-se numa vida dupla, que hoje pertence ao passado. A toxicodependência, aliada às complicações de saúde, às baixas e por fim às crises conjugal e financeira, levaram-na a encarar-se de frente e a procurar apoio psicológico. Recuperada há três meses, Rosa já não foge das suas emoções.

Aprendi a conhecê-las, a aceitá-las. E a falar delas.

O seu caso inclui-se no grupo de pessoas – as estimativas apontam para 5 a 7% da população – que sofrem de um transtorno de comunicação, chamado, nos anos 70, pelo psiquiatra americano Sifneos como alexitimia (termo grego que significa “sem palavras para as emoções”). Trata-se de uma dificuldade de elaborar mentalmente os afectos, identificá-los e dar-lhes uma expressão adequada.

Cegos face aos seus sentimentos, incapazes de processar o que lhes vai no íntimo, não o partilham com os outros nem lhes conseguem ler as palavras, gestos e expressões faciais. Alheios aos sinais de alerta (sintomas) dados pelo próprio corpo – sob a forma de perturbações psicossomáticas -, ficam impotentes para enfrentar os mais simples desafios quotidianos, encarados como o mundo a desabar sobre si. (...)

A ligação entre esta patologia e as perturbações psicossomáticas é hoje reconhecida, podendo revelar-se um terreno fértil. Para condutas destrutivas, facilmente encontradas nas personalidades depressivas e dependentes (sexo, Internet, compras, trabalho, químicos).

As obsessões e compulsões acompanham, frequentemente, a “doença dos sentimentos”, como lhe chama Eduardo da Silva, director do centro de tratamento internacional Villa Ramadas.

“O que sucede nestes casos é que vão enterrando os sentimentos vivos, nunca os libertam nem chegam a processar honestamente os problemas com que se deparam”, refere o terapeuta.

Quem ali passa em regime de internamento, descobre que os escapes não resolvem. Têm de aprender o bê-á-bá do que se sente, e que esse sentir tem nomes. “Abrir mão das defesas e do medo, libertar-se das areias movediças do passado e desenvolver o amor-próprio é o objectivo de um trabalho terapêutico faseado”, adianta.

Depois das sessões de grupo, complementadas com trabalhos individuais escritos e tarefas programadas, segue-se um acompanhamento individual, em que se enfatiza a importância da expressão emocional.

Por último, o foco é dirigido para as metas pessoais e o desenvolvimento da motivação, sem descurar o pós-tratamento, gratuito e vitalício.

É que nesta viagem “é vital não desistir e manter a esperança, sabendo que não se está sozinho”.

O apetite pela vida desperta e reforça-se quando “se deixa de funcionar apenas no primeiro andar (a mente) e se passa para o rés-do-chão (vida emocional), regulando cada gesto a partir de dentro para fora e nunca o contrário”, conclui. (...)

Um alexitímico ao espelho

Aparência rígida, formal Desconhece os sentimentos próprios Incapaz de distinguir afectos Não consegue diferenciar sentimentos e sensações corporais Pensamento muito concreto Escassez ou ausência de fantasias Sobrevaloriza os acontecimentos externos Mantém relacionamentos pobres e mecânicos Homens, insensíveis e vítimas

Por razões culturais, eles apresentam menos tendência a verbalizar os sentimentos, tornando-se mais vulneráveis a perturbações de comunicação. Os números confirmam-no: em cada 10 pessoas diagnosticadas com alexitimia, apenas duas são do sexo feminino.

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