Casos-Limite de Miúdos Viciados em Videojogos

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30-12-2013

Jorge, o Toupeira Sofreu bullying no liceu e refugiou-se no ecrã. Desistiu da escola e saiu de casa. Voltou e já tira 19 a Matemática e a Inglês e 18 a Filosofia

Era gordo, baixo e de olhos cerrados - o que lhe valeu a alcunha de Toupeira no liceu de Vilamoura, Algarve. Aos 11 anos, seis deles preenchidos com videojogos, Jorge entretinha-se com o Grand Theft Auto 3, para a PlayStation, onde um gangster mata, rouba e foge à polícia. Na escola tinha o percurso inverso: era vítima de bullying. "Durante um ano fui agredido, levava pontapés e carolos."

O colega Ângelo, também fanático por jogos, defendeu-o. Tornaram-se inseparáveis e aos fins-de-semana jogavam PlayStation 2, na casa de Ângelo, até às 7h da manhã. Dormiam até às 13h (para a mãe do colega de Jorge não desconfiar e almoçarem com ela).

Aos 13 anos, Jorge afundou-se nos jogos, quando os pais se separaram após um episódio de violência doméstica. "A minha mãe estava encolhida e o meu pai batia-lhe de forma compulsiva. Fiquei paralisado de nervos." Nessa noite, Jorge saiu de casa com a mãe e a irmã. Elas deixaram-no num local seguro: a casa de Ângelo. Ambos passaram o resto do serão entretidos com o Age of Empines.

Com os pais separados, Jorge ganhou mais liberdade e mais vontade de jogar. Até aos 15 anos, abstraiu-se com tiro virtual (Counter Strike) e máfia (Omerta). A propensão para o vício era de tal ordem que fez uma tentativa de desintoxicação na casa dos tios em Paris, durante um mês. O que era suposto ser uma viagem de auto descoberta converteu-se num prolongamento de hábitos. Só saiu de casa quatro vezes para visitar a cidade. O resto do tempo foi passado a jogar Counter Strike, num computador velho.

Regressou ao Algarve ainda mais obcecado. O 16.° aniversário, a 10 de Março, foi passado à frente do ecrã com uma companhia: o Omerta. Praticamente não comia e quando o fazia era à pressa. Uma pizza aquecida no microondas era suficiente, após 24 horas de jejum. No fim do Verão tinha emagrecido 15 quilos.

Preocupada, a mãe tentou tudo para que ele largasse o jogo. Nessa altura, Jorge fez uma terapia de sono e foi lo vezes a uma bruxa, que lhe fez uma espécie de exorcismo para o afastar dos espíritos malignos. Nada resultou.

Jorge acordava de hora a hora para jogar Omerta e mantinha o hábito nas aulas - tinha escolhido o ramo de Informática e passava o tempo colado ao ecrã. Mas não a acompanhar matéria. A obsessão era por Omerta, com uma média diária de 18 horas de jogo. Por isso, chumbou três vezes - uma no 10º ano e duas no 11º ano.

Atingida a maioridade, a dependência agravava-se com outro jogo. "O World of Warcraft era viciante. Cheguei a jogar 30 horas seguidas, só com pausas para ir à casa de banho." Estava descontrolado, a ponto de desistir do liceu. Prometeu à mãe que iria ao centro de emprego, mas estava constantemente a adiar responsabilidades.

Aos 19 anos, e por insistência da mãe, iniciou sessões semanais com uma psicóloga. Não fizeram efeito, porque Jorge ia para as sessões contrariado e resistia a falar dos seus problemas. "Estava em negação, falava da revolta em relação à sociedade mas não passava de uma justificação." Um dos problemas era não conseguir desligar-se do World of Warcraft. "Esquecia a realidade e criava um alter ego através de um avatar guerreiro que matava monstros." A ilusão levava-o a negligenciar os hábitos de higiene. "Não tomava banho há um mês e não lavava os dentes há um ano. O meu quarto cheirava a sem abrigo."

A psicóloga sugeriu à mãe de Jorge o internamento. Não havia alternativa. A mãe pressionou-o e ele resistiu - a dinâmica habitual entre ambos. Em Maio de 2012, ela fez-lhe um ultimato: ou ia para uma clínica ou ... ia para uma clínica. Jorge saiu de casa às 21h, mas não para ser internado. Levou apenas a carteira, o telemóvel e 20 euros. Nessa noite dormiu ao relento. Nas seguintes, em casa de um amigo, a viver próximo de Loulé. Jogaram League of Legends durante uma semana, até a avó do amigo o expulsar de casa. Jorge sentia-se desorientado, porque não podia jogar na rua. Restava-lhe voltar a casa. A mãe, persistente, deu-lhe mais uma hipótese de reabilitação - tinha 24 horas para se decidir a ir para uma clínica.

A 14 de Maio de 2012 deu entrada no centro de tratamento de adição Villa Ramadas, em Alcobaça, a pensar que ali iria ficar dois meses. Ficou nove. À primeira sessão de terapia de grupo sentiu-se livre por falar, pela primeira vez, dos seus problemas. Após a experiência, teve um sono tranquilo, o que não acontecia há muito tempo. "Até então estava com um elevado grau de ansiedade, porque tinha de ir ao computador e acordava a meio da noite a gritar. Não sabia identificar a raiva."

Das 9h às 17h, tinha o tempo preenchido com grupos de reflexão, terapia e trabalhos escritos sobre episódios negativos associados aos comportamentos e aos sentimentos subjacentes. Entre as 17h e as 19h, lia, jogava à bola, ia ao ginásio ou à piscina. "A minha vontade de jogar desapareceu toda. Preenchi o meu vazio."

A 15 de Fevereiro passado recebeu alta. A primeira coisa que fez foi inscrever-se nas reuniões de narcóticos anónimos, no Algarve, três vezes por semana. No mês seguinte, voluntariou-se para assistente de apoio aos sem-abrigo.

Determinado a trabalhar no Verão, andou de hotel em hotel, entre Albufeira e Olhos de Água. Foi aceite num hotel de quatro estrelas como empregado de mesa. No fim da época, retomou o liceu. Tirou 19 a Matemática e a Inglês, 18 a Filosofia, 16 a Português e a História. O estudo dá-lhe "pica", diz, assim como sair de casa, namorar e conversar no café. Quando concluir o 12.° ano, pondera fazer um curso de Física.

Quanto ao computador, prefere manter a distância. Desde Julho de 2012 que está guardado em casa da namorada.

A psicóloga clínica Rita Morais, que o acompanhou durante o internamento, continua a ter contacto regular com ele. Duas a três vezes por semana falam ao telefone para Jorge desabafar acerca das situações quotidianas que "fazem disparar os gatilhos da raiva", segundo a terapeuta. Em vez de as superar pelos videojogos, Rita Morais sugere-lhe outras saídas: "Pode dar corridas ou distrair-se para não obcecar com a situação." O primeiro ano após a alta da clínica é decisivo para o êxito da recuperação.

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