Mulheres que Amam demais!
E SE O AMOR h:VAR À LOUCURA?
O que descobrimos nas reuniões de «mulheres que amam demais»
TAL COMO OS ALCOÓLICOS ANÓNIMOS, ELAS REÚNEM-SE PARA FALAREM DA SUA DEPENDÊNCIA. QUANDO AS MULHERES PRECISAM DE APRENDER OS LIMITES DO AMOR...
É possível medir o amor? Provavelmente, não. Mas, sabia que o amor se pode tornar um assassino? «Mulheres que Amam Demais» é o título do livro da conselheira matrimonial e psicoterapeuta Robin Norwood inspirado no distúrbio da co-dependência.
Está a ver a dependência de drogas? Agora, substitua as drogas por pessoas. Estas mulheres não conseguem ter relacionamentos saudáveis, não discutem directamente os problemas, não exprimem os seus pensamentos, têm expectativas irrealistas, perdem a individualidade e não têm confiança no outro nem em si mesmas. O objecto da dependência pode ser o parceiro, familiares ou amigos. Diz-se que é a doença da perda de identidade. Uma doença que destrói tanto a relação como a pessoa que sofre dela. Em Portugal, apenas o Centro de Tratamento Villa Ramadas, em Alcobaça, tem um regime de internamento para quem sofre deste problema. Contudo, existe em todo o país uma rede, tipo Alcoólicos Anónimos, de grupos de MADAS (Mulheres que Amam Demais Anónimas) que se reúnem regularmente. Como funcionam as reuniões, o que partilham e o que aprendem?
Para obter respostas, fui a encontros de MADAS, sem me identificar como jornalista, e fiquei a conhecer as histórias de algumas destas mulheres. Aqui ficam os testemunhos vindos do fundo do poço com vista para o suicídio. As histórias de quem se perdeu pelos corredores conturbados dos relacionamentos, mas que de lá conseguiu escapar...
«Se fosse imprescindível não seria abandonada»
«Quem me visse de tailleur e saltos altos, a estacionar o meu BMW, não fazia ideia de que entre mim e o arrumador a quem dava a moeda para a próxima dose de heroína não havia diferença nenhuma», começa por dizer Elsa, 36 anos. «Durante muitos anos, recusei aceitar que era uma co-dependente. Vivia dentro da casca de um Calimero, fustigando-me, achando que não merecia uma relação feliz. Saltei de namorado em namorado, quase todos eram carentes à sua maneira. O último, com quem estive casada dois anos, levou-me ao fundo do poço. Ele tinha 28 anos e eu 30. Ele passava a vida a tirar mestrados, a sair de uma tese para entrar noutra. Basicamente, não fazia nada. Sustentei-o durante o tempo todo. Na minha cabeça, ele precisava de mim e eu ajudava-o em tudo, acreditando que se fosse imprescindível não seria abandonada. Estoirei a minha conta bancária, endividei-me para lhe comprar roupas, pagar férias e carros que ele destruía. Vestia-me como ele queria, cozinhava o que ele gostava, preparava-lhe o pequeno-almoço, ia buscá-lo a bares quando bebia demais, "engoli" duas traições e esforçava-me para ser cada vez melhor na cama. A minha vida, que já não era minha, descambou no dia em que ele saiu de casa por se sentir asfixiado. Tentei matar-me com comprimidos e álcool. Só comecei o processo de recuperação no dia em que a minha família me fez um ultimato: "Ou te tratas ou deixamos de nos relacionar contigo". Levaram-me a reuniões de grupos de MADAS, tal como se fosse uma toxicodependente.
Quem são as mulheres que amam demais
RITA MORAIS, PSICÓLOGA CLÍNICA DO CENTRO DE TRATAMENTO VILLA RAMADAS, ENUMERA AS CARACTERÍSTICAS DAS MULHERES QUE SOFREM DE CO-DEPENDÊNCIA
+ A maior parte tem entre 30 e 50 anos de idade.
+ São inseguras e pouco assertivas.
+ Vivem com medo de serem abandonadas.
+ Sentem que algo não está bem, mas não sabem o quê.
+ Para elas, nada é demasiado difícil desde que seja benéfico para o parceiro.
+ Assumem quase todas as culpas nos relacionamentos.
+ Têm níveis elevados de ansiedade e de stress.
+ Sentem-se atraídas por homens carentes e problemáticos. + Não tomam decisões por si mesmas, vivem em prol da outra pessoa.
A RECUPERAÇÃO
Sair do inferno
OS PASSOS PARA A«CURA»
Apesar do quadro ser negro, há soluções para as mulheres que amam demais. A psicoterapeuta Rita Morais explica os passos para sair da co-dependência
+ Admitir a incapacidade para controlar a dependência.
+ Pedir ajuda, procurar apoio em grupos de partilha.
+ Reconhecer os próprios sentimentos e aprender a lidar com eles.
+ Deixar de culpar os outros pelos seus problemas.
+ Tornar-se «egoísta», ou seja, valorizar-se, centrar-se em si e passar a ser responsável pelas suas acções.
+ Aceitar as sugestões de outras mulheres já recuperadas.
Senti-me no meio de "clones" de mim própria. Durante muito tempo, tive medo de voltar a namorar. Mas hoje, passados três anos, tenho um parceiro. Estou consciente de que sou dependente de pessoas mas estou a conseguir ter uma relação saudável. Aprendi a ser "eu" mesma e permito-me gostar da minha companhia.»
«Eu dependia dos abusos dele»
«Tens de acabar com essas idas à psicóloga, ela está a estragar a nossa relação.» Foi esta frase que despertou Ana, 29 anos, e a pôs no caminho certo para se livrar de um relacionamento doentio. «Tanto o Marco como eu éramos doentes. Eu dependia dos abusos dele, ele dependia da minha submissão. E assim funcionávamos "lindamente" até que, depois de ter sido mãe e de ter ficado desempregada, acordei para a vida e procurei ajuda. Se me dissessem que o marido de uma amiga minha lhe batia, eu seria a primeira a intervir. No entanto, a minha relação era ainda mais doentia. Funcionava em clima de guerra psicológica e emocional.
O Marco tratava-me como uma irresponsável e estúpida. Eu aceitava que tinha esses defeitos e dava-lhe permissão para o fazer. Como prova do meu amor, dei-lhe os códigos das minhas contas bancárias e a password do email e do Facebook. Deixei de frequentar o ginásio porque ele não queria e fazia-lhe as vontades todas, pois acreditava que era tão "má" que nenhum outro homem me poderia desejar. A nossa relação piorou com a chegada do bebé, altura em que o Marco se tornou cada vez mais arrogante e manipulador. Cansei-me da situação e fui a uma psicóloga. A psicoterapia tinha como objectivo elevar a minha auto-estima e passei a sentir-me cada vez mais forte e decidida a dar os primeiros passos sozinha, sem ter de ter a aprovação dele. A psicóloga sugeriu-me que o levasse à terapia, mas ele nunca aceitou. A separação foi inevitável. Sei que o meu problema ainda está dentro de mim. Aceito-o e aceito-me. Ainda estou a recuperar do que perdi: alguns amigos, estabilidade, trabalho... Para já, centro-me na minha recuperação, faz-me bem frequentar estas reuniões, posso partilhar tudo. Sei que são como eu.»
«Eu vivia para os meus cães»
Nem só de relacionamentos amorosos se traça o quadro da dependência emocional das mulheres que amam demais. Numa das reuniões, encontrei Maria, 40 anos, que está em recuperação há três anos. Esteve em tratamento durante seis meses e, desde então, não dispensa os encontros de MADAS. Tratou-me com a simpatia de quem recebe uma recém-chegada ao grupo. «Eu era dependente da minha mãe e de cães. Eram o meu foco, mas também podia ter-me agarrado a um homem, a uma amiga ou a um pacote de comprimidos. O problema era eu não querer lidar com a pessoa que eu achava que era: incompetente, infeliz, neurótica, complicada... A relação com a minha mãe era doentia, eu vivia para ela. Ela exigia-o e eu aceitava-o. Não conseguia ter relacionamentos saudáveis e não parava em trabalho nenhum. A mania dos cães veio por arrasto, como um escape. Pelo menos, eles não me julgavam e não me obrigavam a falar dos meus sentimentos. Eu morava sozinha com dez cães, encontrava-os abandonados na rua e cuidava deles. Tinha de tomar doses elevadíssimas de medicação porque sou alérgica ao pêlo dos animais e tenho asma. Perdi o controlo da minha vida. O desequilíbrio era tal que acabei por sofrer um grave acidente de carro e, quando achava que o suicídio era a única solução, cruzei-me com uma pessoa que me deu a conhecer o programa de ajuda. Ainda não endireitei completamente a vida, mas já consigo controlar a minha dependência emocional. Tenho uma relação normal e saudável com a minha família e dei todos os cães. Não é fácil mudar um padrão de vida, deixar cair as máscaras de uma vida inteira... Mas é possível».
As consequências do amor em excesso
OS SINAIS QUE INDICAM QUE SOFRE DE CO-DEPENDÊNCIA
A forma doentia como estas mulheres lidam com aquilo que julgam ser amor, pode matar. A psicoterapeuta e conselheira matrimonial norte-americana Robin Norwood compara a co-dependência à adição de álcool e drogas. A diferença é que, aqui, o objecto da dependência é uma pessoa: «Elas apresentam o mesmo quadro dos toxicodependentes: a saúde física, mental e emocional degrada-se progressivamente. E, em última instância, pode conduzir à morte.»
+ Muitas das depressões, especialmente em mulheres, são resultado de uma co-dependência camuflada.
+ Ávida própria (profissional, familiar, social) entra em desgoverno.
+ Têm, muitas vezes, excesso de peso ou peso abaixo da média.
+ É comum automutilarem-se. + Têm pensamentos suicidas. E, em alguns casos, tentam o suicídio.
Já pensou se sofre de co-dependência?
FAÇA O TESTE E DESCUBRA SE E UMA MADA
Quem ama demais não entende os comentários do tipo «O que será que ela vê nele?» ou «Podia arranjar melhor». Estas mulheres torturam-se com dúvidas sobre se o parceiro gosta delas, mas nunca pensam até que ponto gostam dele. Será o seu caso? Responda a todas a questões com «Sim» ou «Não». Se responder «Sim» a pelo menos três questões revela alguns indícios de co-dependência. Se responder «Sim» mais de três vezes, considere-se urna mulher que «ama demais».
- Sente-se obsessiva quando está num relacionamento?
- Telefona várias vezes ao seu parceiro para saber onde e com quem ele está?
- É desconfiada e procura indícios de que ele tem outras mulheres?
- É ansiosa e verifica constantemente o telemóvel para ver se ele lhe enviou mensagens?
- Pensa que a razão para a sua infelicidade é o seu parceiro?
- Procura agradar sempre ao seu parceiro e esquece-se de si?
- Mente aos outros para disfarçar o que ocorre na relação?
- Evita estar com outras pessoas para ocultar o problema?
- Sofre acidentes por estar distraída?
- Tem mudanças de humor inexplicáveis?
- Pratica actos irracionais?
- Tem ataques de ira, depressão, culpa ou ressentimentos?
- Tem ataques de violência?
- Sente ódio de si mesma?
- Já teve alguma doença física provocada por stress?
- Sente-se incompreendida pelos outros?
- Não consegue divertir-se se não estiver com o seu parceiro?
- Sente-se exausta por assumir demasiada responsabilidade em zelar pela relação?